December 13, 2007

Os cinco e o mistério de Derrida - Tok'Art

Quero partilhar a crítica do Jornal Publico ao espectáculo exibido pela Tok'Art

Terá sido porventura uma das melhores surpresas do final de 2006, este Como é bom tocar-te, da plataforma de dança Tok"art. Desde logo uma série de factores inusitados: um grupo de dança contemporânea português quase desconhecido (formou-se no fim de 2006), sedeado no Centro Cultural do Cartaxo, co-produzido pela EGEAC (empresa municipal de animação cultural), apresentava-se no S.Jorge, um palco arredado dos roteiros coreográficos. A peça, estreada no Cartaxo em Abril, inspirava-se na obra On Touching, de Jacques Derrida (1930-2004), teórico do desconstrutivismo e figura fundamental do pensamento filosófico contemporâneo.
Aparte alguma relação com a CNB (André Mesquita, o coreógrafo, 28 anos), ou com o Ballet Gulbenkian (Teresa Alves da Silva, bailarina) nenhuma destas escassas e pouco publicitadas referências pareceria justificar a deslocação massiva do público, maioritariamente jovem, que quase lotava a sala.
A partir de uma densa reflexão sobre os múltiplos sentidos e interpretações em torno do que significa "o tocar", a obra de Derrida procede a uma análise sobre o sentido do toque na tradição filosófica ocidental.
A coreografia enveredaria por uma exploração puramente física da problemática enunciada; seria sobretudo na sua obscuridade intensa e crescente que se encontrava a aproximação, mais poética que filosófica, à densidade do texto.
Os cinco jovens bailarinos denotavam uma maturidade interpretativa invulgar. À influência da dança clássica, contemporânea ou do street dance, associavam a fluidez e contenção energéticas do ioga ou do tai-chi-chuan. Recursos que não serviam apenas a exibição de movimentos virtuosos, mas sim a produção de uma dramaturgia preenchida de imagens eloquentes e perturbantes.
Num solo, César Fernandes combinava a uma magnífica felina ou reptilínea movimentação, um insólito rastejar em posição de lótus, que nos transportava até à Sesta do Fauno de Nijinsky e a um certo imaginário da dança modernista; num dueto, duas bailarinas surgem com as pernas emaranhadas sob o vestido, como siamesas que desesperam por se desenvencilhar.
Em situações mais abertamente líricas, como o dueto ao som uniformemente acelerado do refrão everybody gets a little lost sometimes (Mt.Zion), ou no texto sobre a esperança proferido em off, já perto do final, estava presente o risco da emocionalidade fácil e dos clichés do género. Mas, tal como para o comedido apontamento de vídeo, sempre que dela se parecia aproximar perigosamente, a peça consegue sempre descolar da banalidade. Se a composição coreográfica ocasionalmente tange o academismo, predomina uma dramaturgia coerente e um resultado despretensioso, para o qual concorre uma banda sonora parcimoniosa (uma toada electrónica e minimalista, que inclui Alva Noto, Sigur Rós, Pan Sonic e M. Zion), a luminotecnia, simples mas eficaz, e a cenografia despojada.
Quando o sentimento de que tudo já foi dito ou feito assola muita da criação contemporânea, desta coreografia intensa e sombria emana uma luz como há algum tempo não se via na dança portuguesa.

Luísa Roudaud

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